sexta-feira, outubro 27, 2006

Daquela Janela....

Naquela janela
Nesta rua tão simpática,
há uma imagem que fica,
naquela bonita janela
aquela figura tão bela.
Ninguém ficava indiferente,
elas, com ciume evidente,
eles, com olhos bem "feitos",
de propósitos "insuspeitos".
Só o ardina na barraca,
ficava mudo como uma estaca,
olhava de soslaio,
p'lo cantinho do olho,
como um catraio,
c'um rebuçado p'ro molho.
Os dias passavam felizes,
suaves como voos de perdizes,
sem vislumbre de caçador,
nem notícias de valor!
Os machos, m'ai'los machões,
faziam apostas aos montões,
era "amor", "amor" aos repelões,
até fazia doer os corações...
E, rua abaixo, rua acima,
as surtidas continuavam,
e ainda por cima,
todos se entusiasmavam.
............................................
Ah! a janela se fechou,
mas que foi que se passou?
Que tarde triste aquela,
sem a figurinha da janela!
Aquela "figura" adoeceu,
e, então tudo se esclareceu,
era um "travesti" cuidadoso,
muito bonito, muito meloso!
Ele se transformava,
dos cabelos à cintura,
naquela janela espreitava,
e assim montava a estrutura.
Foi um "bruá" danado,
elas de sorriso rasgado,
de olhar matreiro como adorno,
eles, com sentimento de... corno!
Mas a alegria retornou,
o engano, a todos ensinou,
a guluseima não é só côr,
é preciso provar o interior.
E o ardina continuou,
de olhar matreiro, gozão,
nesta estória participou
como o artista espertalhão.
P'ró espectaculo terminar,
basta a sua janela fechar,
pôr bem os pés no chão,
e guardar o seu coração!

quarta-feira, outubro 25, 2006

O GRÃO DE AREIA


















Este conto, ou talvez não, recdorda-me algo que... bem só pode mesmo acontecer naquelas praias...

O Grão de areia

O grão de areia olhava para o sol e dizia-lhe com carinho:
“Não te deixes intimidar, essa nuvens são marotas, querem tapar-te e molhar-me de seguida... “
O Sol retorquiu, com um riso amarelo....
“Grãozinho não te esqueças, o Verão terminou, e a chuva vem em seu tempo, não temos que temer é assim o destino”
Mas aquele grãozito estava desolado mesmo. Tinha-se afeiçoado àquele casalinho que todas as manhãs e tardes ali se sentavam, junto de si, namorando, rindo, namorando... Os vizinhos coqueiros, espreitavam do alto as malandrices, tentando vislumbrar os gestos de amor arrebatado, em promessas de vida, e até o “carangueijito” tinha perdoado o desassossego da sua casita, pelo enlevo daquele quadro de amor. As ondas no seu vai e vem, queriam a maré alta para chegarem mais perto, e as gaivotas no labor da sobrevivência, esvoaçavam inquietas, também elas mostrando infelicidade.
Todos sentiam, na realidade, a falta daquela manifestação de carinho e amor.
Mas factos são factos, o Verão terminara e um outro ciclo se iniciara, tudo iria ser diferente. Mas o grãozito de areia não se conformava, ele queria saber o resto da estória, se as juras se cumpririam. Ele declarara que a amaria por uma vida, que nada poderia impedi-lo de a fazer feliz, e ela de coração aberto, sorria e aceitava, a jura eterna como certa, e comungava com entusiasmo daquela partilha de união absoluta e indestrutível! Os beijos, umas vezes eram suaves como a brisa que soprava, outros eram arrebatados que faziam vibrar os corpos, numa luta naquela areia, daquela praia mágica, com os corpos fundidos num só, num sopro de vida, ofegante mas, comum. Como acabaria a estória? O Grão de areia não se conformava, mas começava a ficar vencido, os factos não lhe deixavam outra saida.
Como reagiriam às invejas, aos ciumes, aos mal entendidos, às mentiras, às traições, aos desejos, à luta pela sobrevivência? O Sol, qual Rei do Universo, servo maior do Deus da Criação, disse-lhe:
“ ... acorda Grãozito de areia, outro Verão virá e outro casalito ouvirás... e, tudo se repetirá de novo...”
Continua no próximo Verão, se a Vida não destruir o que o Amor contruiu...
Ricky

segunda-feira, outubro 02, 2006

Por ser verdade...


Por ser verdade...
Tínhamos chegado àquela terra havia dois dias. Não conhecia ninguém da minha idade, sete anos, que eu dizia com autoridade, ensaiando uma maturidade que ansiava por ter... África linda, com os seus silêncios bem barulhentos, com aquelas mangas saborosas, arrancadas da árvores e descascadas com os dentes, e chupadas até parecerem um tear de linhas expostas... Era o que me valia, as aulas só começavam na semana seguinte, mas a época das mangas estava aí a marcar as nódoas nas camisas, o que sinceramente, irritava a minha mãe. Até que apareceu outro solitário, o Jorgito, soube depois, filho do senhor Tembe, um negrão alto e espadaúdo... O filho dava mostras de ir por aquele caminho. Olhámo-nos, cumprimentámo-nos e começámos com as fisgas, que ele tinha uma melhor técnica para as fazer, desde o pau cruzado à forma como segurava os elásticos, com elásticos mais finos, cortados, criteriosamente, duma câmara velha que havia por ali...
Aquela amizade ficou desde logo selada. Já era o meu maior amigo! Minha mãe espreitou-nos e ficou mais descansada porque nos defenderíamos um ao outro, daquelas cobras traiçoeiras que por ali circundavam, nas mangueiras e no capim alto à volta do quintal. Chegou a hora do lanche, e lá apareceu a minha mãe a gritar: "Meninos para o lanche..." O Jorgito exitou, e eu? Sosseguei-o vem nada receies. E ali estava os copos de leite com ovomaltine e os pães com manteiga. Se a amizade estava selada já, ali ficou soldada...
Os dias se passaram, e as cenas do lanche repetiam-se, tornaram-se normais. Pai Tembe veio agradecer a gentileza, e tudo ficou "devidamente" consolidado.
Em áfrica, penso que não só em Moçambique, era costume as senhoras "brancas" visitarem as que chegavam de novo ao local, para lhes oferecerem os seus préstimos e solidariedade pelo "isolamento civilizacional".
Naquela tarde minha mãe tinha uma visita dessas, mesmo na altura do lanche. Ainda ouvi o diálogo: "D. Maria a senhora permite que o "pretito" lanche com o seu filho?" A minha mãe, serenamente, com aquele olhar que eu tanto admirava, e ás vezes temia, retorquiu: "Não vejo isso, vejo o Jorgito e o meu filho, que vão frequentar a mesma escola e a mesma classe, vizinhos, e que brincando juntos, lancham juntos..." Já não me recordo como é que a tal dita senhora se desenvencilhou da resposta, mas lá que foi duro, foi...
A minha vida foi assim pautada pelos ensinamentos dos meus pais, e hoje quando vejo alguns barulhentos defenderem o não ao racismo, penso para comigo, que melhor do que gritar é praticar. Amigos pratiquem, pratiquem...
Hoje, quando tenho de responder à minha neta escuteira e catequista, às vezes recorro a estas histórias da minha vida, para ilustrar o que pretendo dizer. Perguntava-me ela "... Jesus disse para amarmo-nos uns aos outros como Ele nos amou, como é que eu faço avô? Contei-lhe esta história porque o que se passou entre mim e o Jorgito, não foi senão amor ao próximo, sem barreiras de qualquer espécie...
O Jorgito foi muito anos mais tarde ministro de Moçambique, e para além disso era um pintor que eu muito admirava... Espero que a tal senhora o tenha reconhecido mais tarde... era bem feito!
O quadro que reproduzi não é do Jorgito, mas é da terra...
Ricky