Foi há cerca de 14 anos. Ainda não estava refeita da dor pela perda da minha Bidú a quem uma seringa havia piedosamente abreviado o sofrimento. À porta do veterinário chorei convulsivamente a despedida. Prometi a mim própria que não deixaria que tal acontecesse de novo. Para além da gata Lili apanhada na rua e do Gastão, um soberbo angorá branco e surdo, não teria mais animais. Mal sabia eu que, logo a seguir, seria o mesmo o destino do meu Gastão, pelo qual o meu luto dificilmente se dissipou.
O Mário abriu a porta de trás do jeep e, de dentro de um caixote, emergiram três cabecitas caninas.
-Escolhe.- disse ele.
-Não sou capaz-retorqui colocando-me de costas para o carro-Tira tu uma à sorte.
-Tens de ser tu a fazê-lo.- insistiu.
Olhei, então, de relance, e aquela que primeiro me olhou, toda ladina, foi a que recolhi nos meus braços, pequena e fofinha. Deste modo, a Salomé entrou na família. Não sei que conversas caninas tiveram mas o Horácio, cão da minha mãe, e ela, trocaram-nos as voltas e trocaram de casa. A dedicação e o amor da Salomé à minha mãe, traduzidos naquele olhar doce e sempre fixo nela, eram uma evidência.
Hoje, será o dia em que terá de haver a necessária coragem para aliviar o sofrimento da nossa cadelinha. Logo à noite. Tudo volta a ser vivido e revivido. Choro de novo e, intensamente, mais uma dolorosa perda.
Adeus, minha Salomé!
Adenda-14.30 h: Acabou de morrer em casa nos braços da minha mãe.