sexta-feira, novembro 10, 2006

Mulher portuguesa/Caterina de Agostinho


"Não sei já, Caterina, se és chinesa
ou se Índia te tomou e és indiana
ou de ébano te vejo se africana
ou se és eternamente portuguesa
e sendo portuguesa a todas tens
porque em ti, Caterina, eu amo o mundo
e para assim te amar nele me fundo,
sabendo que o meu bem é não ter bens,
que a minha maior posse é não ter nada
e com tudo eu estar já sem saber
se morto vivo ou vivo de morrer"
[Agostinho da Silva, De Camões a Natércia, in jornal Quinto Império, nº6, 1991]



Naquele lugar...


Naquele lugar
Olhei,
e logo senti o acolhimento,
daquelas árvores,
daqueles arbustos,
daquela relva,
daquele lugar!
Por ali andei,
por ali namorei,
por ali sonhei, acordado,
como agora, neste momento,
quando sinto o teu cheiro,
no cheiro daquele lugar!
Ali declamei,
ali fiz promessas,
num futuro só de luz,
cheio de amor,
vida, partilha.
Na recordação deste lugar,
encontrei de forma inesperada,
o sabor da tua presença,
por momentos, real,
por momentos, tão doce...
Oh saudade linda,
porque te escapas,
fica, fica comigo,
transforma este doce calor,
no calor do peito dela,
transforma esta imagem,
naquele corpo macio,
como manto de veludo...
Oh saudade, saudade,
porque estás tão amarga,
porque te escapaste?

Ricky, 21 de Jan. 2005


sexta-feira, outubro 27, 2006

Daquela Janela....

Naquela janela
Nesta rua tão simpática,
há uma imagem que fica,
naquela bonita janela
aquela figura tão bela.
Ninguém ficava indiferente,
elas, com ciume evidente,
eles, com olhos bem "feitos",
de propósitos "insuspeitos".
Só o ardina na barraca,
ficava mudo como uma estaca,
olhava de soslaio,
p'lo cantinho do olho,
como um catraio,
c'um rebuçado p'ro molho.
Os dias passavam felizes,
suaves como voos de perdizes,
sem vislumbre de caçador,
nem notícias de valor!
Os machos, m'ai'los machões,
faziam apostas aos montões,
era "amor", "amor" aos repelões,
até fazia doer os corações...
E, rua abaixo, rua acima,
as surtidas continuavam,
e ainda por cima,
todos se entusiasmavam.
............................................
Ah! a janela se fechou,
mas que foi que se passou?
Que tarde triste aquela,
sem a figurinha da janela!
Aquela "figura" adoeceu,
e, então tudo se esclareceu,
era um "travesti" cuidadoso,
muito bonito, muito meloso!
Ele se transformava,
dos cabelos à cintura,
naquela janela espreitava,
e assim montava a estrutura.
Foi um "bruá" danado,
elas de sorriso rasgado,
de olhar matreiro como adorno,
eles, com sentimento de... corno!
Mas a alegria retornou,
o engano, a todos ensinou,
a guluseima não é só côr,
é preciso provar o interior.
E o ardina continuou,
de olhar matreiro, gozão,
nesta estória participou
como o artista espertalhão.
P'ró espectaculo terminar,
basta a sua janela fechar,
pôr bem os pés no chão,
e guardar o seu coração!

quarta-feira, outubro 25, 2006

O GRÃO DE AREIA


















Este conto, ou talvez não, recdorda-me algo que... bem só pode mesmo acontecer naquelas praias...

O Grão de areia

O grão de areia olhava para o sol e dizia-lhe com carinho:
“Não te deixes intimidar, essa nuvens são marotas, querem tapar-te e molhar-me de seguida... “
O Sol retorquiu, com um riso amarelo....
“Grãozinho não te esqueças, o Verão terminou, e a chuva vem em seu tempo, não temos que temer é assim o destino”
Mas aquele grãozito estava desolado mesmo. Tinha-se afeiçoado àquele casalinho que todas as manhãs e tardes ali se sentavam, junto de si, namorando, rindo, namorando... Os vizinhos coqueiros, espreitavam do alto as malandrices, tentando vislumbrar os gestos de amor arrebatado, em promessas de vida, e até o “carangueijito” tinha perdoado o desassossego da sua casita, pelo enlevo daquele quadro de amor. As ondas no seu vai e vem, queriam a maré alta para chegarem mais perto, e as gaivotas no labor da sobrevivência, esvoaçavam inquietas, também elas mostrando infelicidade.
Todos sentiam, na realidade, a falta daquela manifestação de carinho e amor.
Mas factos são factos, o Verão terminara e um outro ciclo se iniciara, tudo iria ser diferente. Mas o grãozito de areia não se conformava, ele queria saber o resto da estória, se as juras se cumpririam. Ele declarara que a amaria por uma vida, que nada poderia impedi-lo de a fazer feliz, e ela de coração aberto, sorria e aceitava, a jura eterna como certa, e comungava com entusiasmo daquela partilha de união absoluta e indestrutível! Os beijos, umas vezes eram suaves como a brisa que soprava, outros eram arrebatados que faziam vibrar os corpos, numa luta naquela areia, daquela praia mágica, com os corpos fundidos num só, num sopro de vida, ofegante mas, comum. Como acabaria a estória? O Grão de areia não se conformava, mas começava a ficar vencido, os factos não lhe deixavam outra saida.
Como reagiriam às invejas, aos ciumes, aos mal entendidos, às mentiras, às traições, aos desejos, à luta pela sobrevivência? O Sol, qual Rei do Universo, servo maior do Deus da Criação, disse-lhe:
“ ... acorda Grãozito de areia, outro Verão virá e outro casalito ouvirás... e, tudo se repetirá de novo...”
Continua no próximo Verão, se a Vida não destruir o que o Amor contruiu...
Ricky

segunda-feira, outubro 02, 2006

Por ser verdade...


Por ser verdade...
Tínhamos chegado àquela terra havia dois dias. Não conhecia ninguém da minha idade, sete anos, que eu dizia com autoridade, ensaiando uma maturidade que ansiava por ter... África linda, com os seus silêncios bem barulhentos, com aquelas mangas saborosas, arrancadas da árvores e descascadas com os dentes, e chupadas até parecerem um tear de linhas expostas... Era o que me valia, as aulas só começavam na semana seguinte, mas a época das mangas estava aí a marcar as nódoas nas camisas, o que sinceramente, irritava a minha mãe. Até que apareceu outro solitário, o Jorgito, soube depois, filho do senhor Tembe, um negrão alto e espadaúdo... O filho dava mostras de ir por aquele caminho. Olhámo-nos, cumprimentámo-nos e começámos com as fisgas, que ele tinha uma melhor técnica para as fazer, desde o pau cruzado à forma como segurava os elásticos, com elásticos mais finos, cortados, criteriosamente, duma câmara velha que havia por ali...
Aquela amizade ficou desde logo selada. Já era o meu maior amigo! Minha mãe espreitou-nos e ficou mais descansada porque nos defenderíamos um ao outro, daquelas cobras traiçoeiras que por ali circundavam, nas mangueiras e no capim alto à volta do quintal. Chegou a hora do lanche, e lá apareceu a minha mãe a gritar: "Meninos para o lanche..." O Jorgito exitou, e eu? Sosseguei-o vem nada receies. E ali estava os copos de leite com ovomaltine e os pães com manteiga. Se a amizade estava selada já, ali ficou soldada...
Os dias se passaram, e as cenas do lanche repetiam-se, tornaram-se normais. Pai Tembe veio agradecer a gentileza, e tudo ficou "devidamente" consolidado.
Em áfrica, penso que não só em Moçambique, era costume as senhoras "brancas" visitarem as que chegavam de novo ao local, para lhes oferecerem os seus préstimos e solidariedade pelo "isolamento civilizacional".
Naquela tarde minha mãe tinha uma visita dessas, mesmo na altura do lanche. Ainda ouvi o diálogo: "D. Maria a senhora permite que o "pretito" lanche com o seu filho?" A minha mãe, serenamente, com aquele olhar que eu tanto admirava, e ás vezes temia, retorquiu: "Não vejo isso, vejo o Jorgito e o meu filho, que vão frequentar a mesma escola e a mesma classe, vizinhos, e que brincando juntos, lancham juntos..." Já não me recordo como é que a tal dita senhora se desenvencilhou da resposta, mas lá que foi duro, foi...
A minha vida foi assim pautada pelos ensinamentos dos meus pais, e hoje quando vejo alguns barulhentos defenderem o não ao racismo, penso para comigo, que melhor do que gritar é praticar. Amigos pratiquem, pratiquem...
Hoje, quando tenho de responder à minha neta escuteira e catequista, às vezes recorro a estas histórias da minha vida, para ilustrar o que pretendo dizer. Perguntava-me ela "... Jesus disse para amarmo-nos uns aos outros como Ele nos amou, como é que eu faço avô? Contei-lhe esta história porque o que se passou entre mim e o Jorgito, não foi senão amor ao próximo, sem barreiras de qualquer espécie...
O Jorgito foi muito anos mais tarde ministro de Moçambique, e para além disso era um pintor que eu muito admirava... Espero que a tal senhora o tenha reconhecido mais tarde... era bem feito!
O quadro que reproduzi não é do Jorgito, mas é da terra...
Ricky

domingo, setembro 24, 2006

Partilha!


A partir deste dia 24 de Setembro de 2006, este blog passará a ser en(ricky)uecido por um querido amigo com quem tenho o maior prazer em dialogar e mundivaguear, pois saio sempre aprendendo.

Força na caneta, digo, no teclado.

CB

quinta-feira, agosto 24, 2006

Também neste dia...


a imagem veio de

Também a 24 de Agosto comemorava-se o aniversário do tio Zézé.

Zé Borges, na sua juventude, foi perseguido e preso pela PIDE, de má memória, acusado de acções subversivas e de ligação ao comunismo. Marcou, então, encontro com Moçambique que inevitavelmente o fascinou. Não tanto as cidades mas a estimulante aventura dos matos.

Fixou-se, mais tarde, em Mutarara e ali casou. Foi pelo seu casamento que atravessei nos meus 6 anos a longa ponte Dona Ana sobre o majestoso rio Zambeze. Embarcados em Inhaminga no imponente comboio de passageiros da TZR, cruzámos a imensidão africana. Dos meus olhos de menina de pouca idade retenho essa fantástica memória da longa viagem de ida e volta, onde à janela me enegrecia de fuligem.
O seu desejo era acabar os seus dias em Mutarara, fundindo-se com a terra que amou mas, infelizmente, a vida não lhe deu tempo.

24 de Agosto. Um dia muito especial...


daqui

Setúbal, 24 de Agosto de 1916. Nascia o segundo dos 0ito filhos que iriam constituir a prole de Olímpio e de Maria da Conceição. Deram-lhe um não muito comum nome: Ramiro.
Na Marinha calcorreou algum mundo e em 1952 abalou rumo a terras africanas. Moçambique! Homem trabalhador, bom profissional e rijo que não lembro ter algum dia faltado ao trabalho. Excepto, é claro, aqueles três meses de coma após violento acidente.
Carinhoso... muito! Flexível face às traquinices das filhas a quem mimava sempre. Um dos raros ódios que lhe conheci era Salazar. Precisamente. Vá-se lá saber porquê...
Artista. Das suas mãos saíram peças em osso de extrema perfeição. No meu escritório, sempre presente, o porta canetas com tinteiros e calendário feito por ele.
Outra das paixões era a natureza. As árvores que plantou, que tão frondosas se fizeram, como as acácias amarelas e, abundantemente, as de fruto. Poucos frutos havia que não pudesse colher no nosso quintal. Também a machamba que com afinco tratava quando voltava do trabalho. "Ó filha, apanhei esta bela cenoura para ti."
Distraído. Não sei por que mundos caminhava quando frequentemente se desligava do real, parecendo cair desprevenidamente em terra alheia, quando descia desse planeta só dele. Havia sempre motivo para risadas face à sua atrapalhação.
Em 1976 aterrou em Lisboa após ter-se reformado em Moçambique. A cor do dinheiro, após 40 anos de trabalho, nunca a viu. Foi perdendo o viço. As árvores que plantara, a machamba que cuidara, a rotina quotidiana do clube, haviam ficado para trás.
Em 1983, as últimas palavras que me dirigiu foram "-Adeus filha! O abacateiro ardeu!". "-O quê papá?" "-Foi o abacateiro filha. Ardeu." No dia seguinte fiquei certa do significado da mensagem. Não chorei, então, talvez porque o céu, copiosamente, fê-lo por mim no dia 18 de Novembro, quando poderosas tempestades e cheias abalaram a cidade de Lisboa.

Faria 90 anos hoje, o meu pai.

A um grande amigo

Sim, és tu...

se passares por aqui,
se me leres,
sente o sabor da palavra
AMIZADE.

Que rima com saudade
e com aquilo que em ti tanto admiro,
a dignidade.

E que pena, que chatice,
não rimar com casmurrice!

CB

quarta-feira, agosto 23, 2006

Luiz Beja II

Preparávamo-nos para sentar à mesa para jantar, quando o Luís se lembrou que deixara não sei o quê importante no estúdio.
-Demoro 20 minutos...
-Luís, não vás pela António Enes que há lá um auto-stop.
-Ah! OK. Ainda bem que avisam...
Já à porta:
-Não vás pela António Enes...
-Porra, já ouvi à primeira...
O tempo passou. 30 m, 45 m, 1 hora e tal e o Luís sem chegar.
Adiantaram-se palpites vários enquanto o jantar arrefecia.
A observação do Zé foi apoiada por unanimidade:
-Não conheça eu a peça... Aposto que foi pela António Enes.
Todos ficámos, pois, sereníssimos e com um sarcástico sorriso quando o Luís, ao entrar, comentou zangado e com ar de novidade :
-Eh pá! Imaginem o que me aconteceu. Então não fui apanhado sem documentos no raio de um auto-stop na António Enes ?

terça-feira, agosto 22, 2006

Luiz Beja


Um traiçoeiro ataque cardíaco levou o Luiz há cerca de um mês. Soube-o só hoje através de um site moçambicano.
Quantas e quantas historietas hilariantes poderia eu contar sobre este amigo que poderia constar como um dos homens mais distraídos e desastrados do planeta. A título de exemplo, lembro quando foi levar a Laide a casa dos pais, após cinco anos de casados. Tinha esquecido! Pôs também a polícia a investigar o roubo do seu Lancia que tinha, afinal, deixado a fazer a revisão.
A sua carrinha Fiat e o Land-Rover, esses sim, eram vítimas de furto constante pelos delinquentes amigos, ou seja, nós. Era neles que viajávamos para a Macaneta ou Ponta do Ouro ou serviam para as nossas perambulações nocturnas pela cidade e arredores. Nem dava conta e quando dava, chamava-nos apenas "seus bandidos" com a sua voz ciciante.

Nos seus estúdios passei dias e dias divertidos enquanto o Dennis e o Zé Peres sonorizavam os seus filmes que vi vezes sem conta.

O Luiz era um artista da imagem e lamentável foi, não ter sido devidamente valorizado em Portugal.

O meu adeus, Luiz!

CB

segunda-feira, agosto 21, 2006

O Verão do baú


Como todos os anos, em Agosto, a mãe abre o baú e põe a arejar um monte de roupas de tempos idos. Desde os vestidos de criança aos de teen-ager desfilaram hoje, quase todos, perante os meus olhos. Este da foto também jazia entre o amontoado de trapos e deliciei-me ao tacteá-lo. A farda de marinheiro do pai, com que me mascarava no Carnaval, também ali morava denotando as marcas do tempo.

- Olha este, o vaporoso vestido vermelho dos folhos e lacinhos dos meus 6 anos...

Sorridente, ia-me passando um e mais um e mais outro. fazendo com que penetrasse numa viagem no tempo.

-Ó mã, mas para quê? Porque guardas estes trapos todos?
-Olha filha, se calhar para que, como agora, cada um deles te leve a desfiar lembranças e ouvir os comentários que vais tecendo.
- Mas já não servem para nada, mã, só ocupam espaço, duplicando o que já vive na nossa memória.
-Filha, este fui eu que bordei. Aquele, repara no tecido. Disto, já não se fabrica...
-Sim, mamã! Olhá-los aviva a memória, mas... vá lá que tens uma casa espaçosa...
-Este chapéu era do teu avô. E esta bóina... (que coloquei na cabeça admirando o meu ar de pintora parisiense)

No final de Agosto, terá lugar a habitual cerimónia de arrumação no baú onde jazerão mais um ano.
Há 30 anos que este ritual acontece com as desusadas vestes que pagaram passagem num contentor para cruzar os dois oceanos que ligam Moçambique a Portugal.

Desejo veementemente que, por muitos mais anos, possa continuar a assistir a este Verão dos velhos trapos familiares.

quinta-feira, agosto 17, 2006

O Outro Pé da Sereia


origem da imagem


"-Quando se inventam assim maldades sobre um povo, é para abençoar as maldades que se vão praticar sobre ele."

" Eu acho, com todo o respeito que eles serão ainda piores.
-Como piores padre Antunes?
-Vai ver que eles são iguais aos brancos"

in Mia Couto, O Outro Pé da Sereia, pp 394 e 396






quinta-feira, agosto 10, 2006

Mais ouro


aqui a notícia do ouro

Achei mal!

Só após 45 minutos de notícias sobre a suspeita de atentados terroristas que teriam sido frustrados, é que a SIC nos mostrou a vitória de Obikwelu durante um espaço de tempo que não durou mais de um minuto.

Não seria de começar com este feito de um atleta português com ouro bimedalhado?

Parabéns Obikwelu!


Carochinha entra na estória...


a carochinha foi feita aqui

`
Ao som do "Torna a Surriento" na voz de Pavarotti, Cinderela varria a casa imaginando quantas almofadas já teria enchido com o pêlo de cão e gatos. Como os pensamentos são como as cerejas, lembrou-se da estória que contam sobre a sua amiga Carochinha. A verdade é que esta, como os pretendentes passavam ao largo, inventou que lhe tinha saído o prémio do euromilhões e estava rica. É claro que foi, de imediato, possuída por encantos súbitos que atraíram toda a bicharada do sítio e arredores. Alguém acredita que um boi, um burro ou mesmo um cão tivesse um casamento fisicamente harmonioso com a Carochinha? Interesseiros foi o que foram. Pô-los a andar a todos e fez muito bem. Caíu foi na ratoeira do João Ratão que, armado de falinhas mansas, a levou à certa. Foi uma tristeza, pois bem depressa ficou viúva a minha amiga Carochinha que ainda carpiu mágoas durante largos meses. No entanto, creio que o facto de lhe aparecerem tantos pretendentes elevou a sua auto-estima e, hoje, o que mais quer é não casar e desenvolve várias actividades menos a de varrer a cozinha. Contratou uma empregada, pois claro.
Ora, conta-se que o João era guloso e caíu na panela, mas a verdade é que o malandro estava cheio de dívidas e aproveitou-se da apregoada pseudo-fortuna da Carochinha que, pensou, lhe iria resolver os problemas e dar a possibilidade de criar outros... Quando se apercebeu que a Carochinha era um ser desprovido de dinheiro, o desânimo e o desespero apoderaram-se de si. Bem gritou e chamou nomes feios à minha pobre amiga que em desespero chorava perdidamente. Ela tinha acreditado piamente nas juras de amor do Ratão.
No dia em que lhe entraram os cobradores pela porta dentro, João refugiou-se na cozinha e dizem que em desespero saltou para a panela da sopa que estava ao lume. O João Ratão foi, assim, cozido e assado no caldeirão como reza o final da estória!

(continua)

Cinderela foi à net...

caminharam daqui os pés da Cinderela


Cinderela, entre pratos e panelas, ia pensando na madrasta da vida. Constava que os princípes estavam fora de moda e só artesanalmente eram fabricados, o que fazia deles uma raridade. Daí que afastou a questão da sua cabeça e passou a concentrar-se nas pitadas de óregãos, sal e piri-piri para condimentar o refogado.

Foi então que ouviu o plom-plom assinalando alguma presença no messenger. Baixou o lume, passou as mãos por água e limpou-as às calças pretas de lycra. Sentou-se à frente do écran e leu:

- sou um princípe, o teu princípe!

- meuuuu??? Como é que sabes?

- acabei de verificar numa foto o tamanho do teu pé.

- olha, sei muito bem que os princípes escasseiam... achas que ia acreditar que andava aí um só para mim? Não me dês tanga que tenho mais que fazer.

- Espera...

- Ora então boa-tarde! Fui!

(continua)

quarta-feira, agosto 09, 2006

Volta à estrada II



- Oh tontinha... então como é?
- ?????
- Esse blá-blá sobre o privado e escreves num blog que é público?
- Ah, isso... Mas não te apercebeste que ninguém cá vem, nem eu própria? A questão é que fica tudo mais organizadinho e não como a bagunçada que vai nas pastas de os meus documentos.
- Mas eu vim ler-te... Não podes dizer que ninguém cá vem.
- Ora essa! Sabes muito bem que és um mero grilo insignificante, com a mania que és a voz da minha consciência e acabamos quase sempre a discutir. Acho também que nem sempre és muito assisado. Olha, não passas mesmo é de um grande chato!
- Ai é? Pois fica a saber que tão cedo não ponho cá as patitas verdes. Escreve lá as patacoadas que te apetecer que não estou nem aí.
- Grilos há muitos, seu palerma...

segunda-feira, agosto 07, 2006

Volta à estrada real


daqui


Do passado pré-net a recordação de uma benquista solidão, de uma alienação do mundo da sociabilidade porque assim tinha de ser.
Franqueada a entrada do www, após viagens por um mundo de informação sem fim, a estupefacção perante a possibilidade de comunicação com todos os cantos do planeta.
Uma torrente de pessoas que lentamente foram aquirindo forma e rosto, interagiam, trocavam ideias, brincadeiras, num espaço de socialização que ingenuamente se acreditava desprovido das ruindades do mundo real. Atrás de cada écran encontrava-se um eu que não se esperava imbuído de mesquinhez, de egoísmo, de vaidades, de maldade.
Lentamente foi esmorecendo o à vontade e com isso a vontade, ao perceber que mil olhos vigiam e usam contra cada um de nós o que ousámos mostrar confiantemente. Decepção somada a decepção, múltiplas vezes, vai impedindo que os dedos voltem a percorrer o teclado de forma ligeira e prazeirosa. Pensa-se e pensa-se sobre o que se mostra de nós. Escreve-se, apaga-se, reescreve-se, apaga-se, num processo de retracção em que o desejo de privacidade se impõe. Acontece o fim. Desliga-se com uma sombra de tristeza porque o mundo virtual que sonhámos límpido foi revelando o que a natureza humana tem de pior.

Esta experiência, contudo, derivou na criação de cadeias quer de afectos e simpatias quer de rejeições. Relativamente a estas últimas o tratamento é simples. O problema é com a vertente dos afectos. Uns permanecem mas outros vão-se esboroando, lentamente, imprimindo mútuas mágoas. O afastamento acontece. Os caminhos divergem e cada um avança segundo o rumo escolhido.
Caminha-se assim para o antigo mundo mas transformado pela vivência da comunicação e integrando uma pequena teia de afectos que não queremos perder. O ....@.... é a via certa para que eles se mantenham no domínio do privado. Não preciso que muitos me leiam mas tão somente que tu me leias.

Escreveu uma aluna: O amor ou a amizade são como um terreno com plantas que regamos e acarinhamos para que cresçam belas e saudáveis. A dada altura vem a vaca e come tudo.

Bah!




sábado, maio 27, 2006

No país da treta



Retrato anacrónico de um proletariado oitocentista no século XXI:

Pais que por suma ignorância permitem ou incentivam o trabalho dos filhos perpetuando a ideia de criança-homúnculo.

Empresários "à portuguesa" perseguindo o lucro fácil para a ostentação pimba do seu Ferrari. Sem pingo de decência e de humanismo. Analfabetos!

Poderes e instituições que assobiam para o ar. Não vêem nada. Não sabem nada.

Só que a denúncia vem de fora, de Espanha. Ainda bem...
Vai observar-se o frenesim de fiscalizações sem que se encontre qualquer culpado. O normal.

Suprema vergonha de país!

sábado, abril 01, 2006

Ficção- ano 2016

Deu consigo a recordar o velho mundo que após históricas lutas conquistou o sublime valor que é a liberdade. Enquanto o fumo evolava espiralado do seu cigarro, lia, pensava, criticava, convicto que o valor liberdade adquirido se tornara inalienável.

Hoje está colocado para lá da margem do socialmente correcto.
Tudo começou quando a campanha antitabágica arvorou implacavelmente o estandarte de uma batalha que o deixaria à parte da sociedade. Marginal!
A sua carreira de criminoso havia apenas começado. Não tardaria seria marginalizado por pensar, por ter ideias próprias. A opinião pública standardizada e estupidificada, gerada e moldada pela campanha concertada dos senhores do mundo nomeadamente via audio-visuais, não se compadecia da sua intelectualidade. Marginal!
Ateu? Imperdoável. Marginal!
Profissionalmente não era pago para pensar ou criticar mas para obedecer. O despedimento estava aí, ameaçador... Marginal!
O Grande Simplex vigia-o. Toda a sua vida, todos os seus passos são conhecidos. Escondido em casa fuma, lê e pensa. Para quê?

Saudoso da Guerra Fria, do mundo bipolar, de dois paradigmas.

Zacarias

quarta-feira, março 01, 2006

Ainda existe um sítio assim?



Bécherel,village du livre et des arts du livre

aqui

Bécherel, a cidade de Ille-et-Vilaine que possui 22 livrarias para 660 habitantes.