quinta-feira, agosto 24, 2006

Também neste dia...


a imagem veio de

Também a 24 de Agosto comemorava-se o aniversário do tio Zézé.

Zé Borges, na sua juventude, foi perseguido e preso pela PIDE, de má memória, acusado de acções subversivas e de ligação ao comunismo. Marcou, então, encontro com Moçambique que inevitavelmente o fascinou. Não tanto as cidades mas a estimulante aventura dos matos.

Fixou-se, mais tarde, em Mutarara e ali casou. Foi pelo seu casamento que atravessei nos meus 6 anos a longa ponte Dona Ana sobre o majestoso rio Zambeze. Embarcados em Inhaminga no imponente comboio de passageiros da TZR, cruzámos a imensidão africana. Dos meus olhos de menina de pouca idade retenho essa fantástica memória da longa viagem de ida e volta, onde à janela me enegrecia de fuligem.
O seu desejo era acabar os seus dias em Mutarara, fundindo-se com a terra que amou mas, infelizmente, a vida não lhe deu tempo.

24 de Agosto. Um dia muito especial...


daqui

Setúbal, 24 de Agosto de 1916. Nascia o segundo dos 0ito filhos que iriam constituir a prole de Olímpio e de Maria da Conceição. Deram-lhe um não muito comum nome: Ramiro.
Na Marinha calcorreou algum mundo e em 1952 abalou rumo a terras africanas. Moçambique! Homem trabalhador, bom profissional e rijo que não lembro ter algum dia faltado ao trabalho. Excepto, é claro, aqueles três meses de coma após violento acidente.
Carinhoso... muito! Flexível face às traquinices das filhas a quem mimava sempre. Um dos raros ódios que lhe conheci era Salazar. Precisamente. Vá-se lá saber porquê...
Artista. Das suas mãos saíram peças em osso de extrema perfeição. No meu escritório, sempre presente, o porta canetas com tinteiros e calendário feito por ele.
Outra das paixões era a natureza. As árvores que plantou, que tão frondosas se fizeram, como as acácias amarelas e, abundantemente, as de fruto. Poucos frutos havia que não pudesse colher no nosso quintal. Também a machamba que com afinco tratava quando voltava do trabalho. "Ó filha, apanhei esta bela cenoura para ti."
Distraído. Não sei por que mundos caminhava quando frequentemente se desligava do real, parecendo cair desprevenidamente em terra alheia, quando descia desse planeta só dele. Havia sempre motivo para risadas face à sua atrapalhação.
Em 1976 aterrou em Lisboa após ter-se reformado em Moçambique. A cor do dinheiro, após 40 anos de trabalho, nunca a viu. Foi perdendo o viço. As árvores que plantara, a machamba que cuidara, a rotina quotidiana do clube, haviam ficado para trás.
Em 1983, as últimas palavras que me dirigiu foram "-Adeus filha! O abacateiro ardeu!". "-O quê papá?" "-Foi o abacateiro filha. Ardeu." No dia seguinte fiquei certa do significado da mensagem. Não chorei, então, talvez porque o céu, copiosamente, fê-lo por mim no dia 18 de Novembro, quando poderosas tempestades e cheias abalaram a cidade de Lisboa.

Faria 90 anos hoje, o meu pai.

A um grande amigo

Sim, és tu...

se passares por aqui,
se me leres,
sente o sabor da palavra
AMIZADE.

Que rima com saudade
e com aquilo que em ti tanto admiro,
a dignidade.

E que pena, que chatice,
não rimar com casmurrice!

CB

quarta-feira, agosto 23, 2006

Luiz Beja II

Preparávamo-nos para sentar à mesa para jantar, quando o Luís se lembrou que deixara não sei o quê importante no estúdio.
-Demoro 20 minutos...
-Luís, não vás pela António Enes que há lá um auto-stop.
-Ah! OK. Ainda bem que avisam...
Já à porta:
-Não vás pela António Enes...
-Porra, já ouvi à primeira...
O tempo passou. 30 m, 45 m, 1 hora e tal e o Luís sem chegar.
Adiantaram-se palpites vários enquanto o jantar arrefecia.
A observação do Zé foi apoiada por unanimidade:
-Não conheça eu a peça... Aposto que foi pela António Enes.
Todos ficámos, pois, sereníssimos e com um sarcástico sorriso quando o Luís, ao entrar, comentou zangado e com ar de novidade :
-Eh pá! Imaginem o que me aconteceu. Então não fui apanhado sem documentos no raio de um auto-stop na António Enes ?

terça-feira, agosto 22, 2006

Luiz Beja


Um traiçoeiro ataque cardíaco levou o Luiz há cerca de um mês. Soube-o só hoje através de um site moçambicano.
Quantas e quantas historietas hilariantes poderia eu contar sobre este amigo que poderia constar como um dos homens mais distraídos e desastrados do planeta. A título de exemplo, lembro quando foi levar a Laide a casa dos pais, após cinco anos de casados. Tinha esquecido! Pôs também a polícia a investigar o roubo do seu Lancia que tinha, afinal, deixado a fazer a revisão.
A sua carrinha Fiat e o Land-Rover, esses sim, eram vítimas de furto constante pelos delinquentes amigos, ou seja, nós. Era neles que viajávamos para a Macaneta ou Ponta do Ouro ou serviam para as nossas perambulações nocturnas pela cidade e arredores. Nem dava conta e quando dava, chamava-nos apenas "seus bandidos" com a sua voz ciciante.

Nos seus estúdios passei dias e dias divertidos enquanto o Dennis e o Zé Peres sonorizavam os seus filmes que vi vezes sem conta.

O Luiz era um artista da imagem e lamentável foi, não ter sido devidamente valorizado em Portugal.

O meu adeus, Luiz!

CB

segunda-feira, agosto 21, 2006

O Verão do baú


Como todos os anos, em Agosto, a mãe abre o baú e põe a arejar um monte de roupas de tempos idos. Desde os vestidos de criança aos de teen-ager desfilaram hoje, quase todos, perante os meus olhos. Este da foto também jazia entre o amontoado de trapos e deliciei-me ao tacteá-lo. A farda de marinheiro do pai, com que me mascarava no Carnaval, também ali morava denotando as marcas do tempo.

- Olha este, o vaporoso vestido vermelho dos folhos e lacinhos dos meus 6 anos...

Sorridente, ia-me passando um e mais um e mais outro. fazendo com que penetrasse numa viagem no tempo.

-Ó mã, mas para quê? Porque guardas estes trapos todos?
-Olha filha, se calhar para que, como agora, cada um deles te leve a desfiar lembranças e ouvir os comentários que vais tecendo.
- Mas já não servem para nada, mã, só ocupam espaço, duplicando o que já vive na nossa memória.
-Filha, este fui eu que bordei. Aquele, repara no tecido. Disto, já não se fabrica...
-Sim, mamã! Olhá-los aviva a memória, mas... vá lá que tens uma casa espaçosa...
-Este chapéu era do teu avô. E esta bóina... (que coloquei na cabeça admirando o meu ar de pintora parisiense)

No final de Agosto, terá lugar a habitual cerimónia de arrumação no baú onde jazerão mais um ano.
Há 30 anos que este ritual acontece com as desusadas vestes que pagaram passagem num contentor para cruzar os dois oceanos que ligam Moçambique a Portugal.

Desejo veementemente que, por muitos mais anos, possa continuar a assistir a este Verão dos velhos trapos familiares.

quinta-feira, agosto 17, 2006

O Outro Pé da Sereia


origem da imagem


"-Quando se inventam assim maldades sobre um povo, é para abençoar as maldades que se vão praticar sobre ele."

" Eu acho, com todo o respeito que eles serão ainda piores.
-Como piores padre Antunes?
-Vai ver que eles são iguais aos brancos"

in Mia Couto, O Outro Pé da Sereia, pp 394 e 396






quinta-feira, agosto 10, 2006

Mais ouro


aqui a notícia do ouro

Achei mal!

Só após 45 minutos de notícias sobre a suspeita de atentados terroristas que teriam sido frustrados, é que a SIC nos mostrou a vitória de Obikwelu durante um espaço de tempo que não durou mais de um minuto.

Não seria de começar com este feito de um atleta português com ouro bimedalhado?

Parabéns Obikwelu!


Carochinha entra na estória...


a carochinha foi feita aqui

`
Ao som do "Torna a Surriento" na voz de Pavarotti, Cinderela varria a casa imaginando quantas almofadas já teria enchido com o pêlo de cão e gatos. Como os pensamentos são como as cerejas, lembrou-se da estória que contam sobre a sua amiga Carochinha. A verdade é que esta, como os pretendentes passavam ao largo, inventou que lhe tinha saído o prémio do euromilhões e estava rica. É claro que foi, de imediato, possuída por encantos súbitos que atraíram toda a bicharada do sítio e arredores. Alguém acredita que um boi, um burro ou mesmo um cão tivesse um casamento fisicamente harmonioso com a Carochinha? Interesseiros foi o que foram. Pô-los a andar a todos e fez muito bem. Caíu foi na ratoeira do João Ratão que, armado de falinhas mansas, a levou à certa. Foi uma tristeza, pois bem depressa ficou viúva a minha amiga Carochinha que ainda carpiu mágoas durante largos meses. No entanto, creio que o facto de lhe aparecerem tantos pretendentes elevou a sua auto-estima e, hoje, o que mais quer é não casar e desenvolve várias actividades menos a de varrer a cozinha. Contratou uma empregada, pois claro.
Ora, conta-se que o João era guloso e caíu na panela, mas a verdade é que o malandro estava cheio de dívidas e aproveitou-se da apregoada pseudo-fortuna da Carochinha que, pensou, lhe iria resolver os problemas e dar a possibilidade de criar outros... Quando se apercebeu que a Carochinha era um ser desprovido de dinheiro, o desânimo e o desespero apoderaram-se de si. Bem gritou e chamou nomes feios à minha pobre amiga que em desespero chorava perdidamente. Ela tinha acreditado piamente nas juras de amor do Ratão.
No dia em que lhe entraram os cobradores pela porta dentro, João refugiou-se na cozinha e dizem que em desespero saltou para a panela da sopa que estava ao lume. O João Ratão foi, assim, cozido e assado no caldeirão como reza o final da estória!

(continua)

Cinderela foi à net...

caminharam daqui os pés da Cinderela


Cinderela, entre pratos e panelas, ia pensando na madrasta da vida. Constava que os princípes estavam fora de moda e só artesanalmente eram fabricados, o que fazia deles uma raridade. Daí que afastou a questão da sua cabeça e passou a concentrar-se nas pitadas de óregãos, sal e piri-piri para condimentar o refogado.

Foi então que ouviu o plom-plom assinalando alguma presença no messenger. Baixou o lume, passou as mãos por água e limpou-as às calças pretas de lycra. Sentou-se à frente do écran e leu:

- sou um princípe, o teu princípe!

- meuuuu??? Como é que sabes?

- acabei de verificar numa foto o tamanho do teu pé.

- olha, sei muito bem que os princípes escasseiam... achas que ia acreditar que andava aí um só para mim? Não me dês tanga que tenho mais que fazer.

- Espera...

- Ora então boa-tarde! Fui!

(continua)

quarta-feira, agosto 09, 2006

Volta à estrada II



- Oh tontinha... então como é?
- ?????
- Esse blá-blá sobre o privado e escreves num blog que é público?
- Ah, isso... Mas não te apercebeste que ninguém cá vem, nem eu própria? A questão é que fica tudo mais organizadinho e não como a bagunçada que vai nas pastas de os meus documentos.
- Mas eu vim ler-te... Não podes dizer que ninguém cá vem.
- Ora essa! Sabes muito bem que és um mero grilo insignificante, com a mania que és a voz da minha consciência e acabamos quase sempre a discutir. Acho também que nem sempre és muito assisado. Olha, não passas mesmo é de um grande chato!
- Ai é? Pois fica a saber que tão cedo não ponho cá as patitas verdes. Escreve lá as patacoadas que te apetecer que não estou nem aí.
- Grilos há muitos, seu palerma...

segunda-feira, agosto 07, 2006

Volta à estrada real


daqui


Do passado pré-net a recordação de uma benquista solidão, de uma alienação do mundo da sociabilidade porque assim tinha de ser.
Franqueada a entrada do www, após viagens por um mundo de informação sem fim, a estupefacção perante a possibilidade de comunicação com todos os cantos do planeta.
Uma torrente de pessoas que lentamente foram aquirindo forma e rosto, interagiam, trocavam ideias, brincadeiras, num espaço de socialização que ingenuamente se acreditava desprovido das ruindades do mundo real. Atrás de cada écran encontrava-se um eu que não se esperava imbuído de mesquinhez, de egoísmo, de vaidades, de maldade.
Lentamente foi esmorecendo o à vontade e com isso a vontade, ao perceber que mil olhos vigiam e usam contra cada um de nós o que ousámos mostrar confiantemente. Decepção somada a decepção, múltiplas vezes, vai impedindo que os dedos voltem a percorrer o teclado de forma ligeira e prazeirosa. Pensa-se e pensa-se sobre o que se mostra de nós. Escreve-se, apaga-se, reescreve-se, apaga-se, num processo de retracção em que o desejo de privacidade se impõe. Acontece o fim. Desliga-se com uma sombra de tristeza porque o mundo virtual que sonhámos límpido foi revelando o que a natureza humana tem de pior.

Esta experiência, contudo, derivou na criação de cadeias quer de afectos e simpatias quer de rejeições. Relativamente a estas últimas o tratamento é simples. O problema é com a vertente dos afectos. Uns permanecem mas outros vão-se esboroando, lentamente, imprimindo mútuas mágoas. O afastamento acontece. Os caminhos divergem e cada um avança segundo o rumo escolhido.
Caminha-se assim para o antigo mundo mas transformado pela vivência da comunicação e integrando uma pequena teia de afectos que não queremos perder. O ....@.... é a via certa para que eles se mantenham no domínio do privado. Não preciso que muitos me leiam mas tão somente que tu me leias.

Escreveu uma aluna: O amor ou a amizade são como um terreno com plantas que regamos e acarinhamos para que cresçam belas e saudáveis. A dada altura vem a vaca e come tudo.

Bah!