daqui
Setúbal, 24 de Agosto de 1916. Nascia o segundo dos 0ito filhos que iriam constituir a prole de Olímpio e de Maria da Conceição. Deram-lhe um não muito comum nome: Ramiro.
Na Marinha calcorreou algum mundo e em 1952 abalou rumo a terras africanas. Moçambique! Homem trabalhador, bom profissional e rijo que não lembro ter algum dia faltado ao trabalho. Excepto, é claro, aqueles três meses de coma após violento acidente.
Carinhoso... muito! Flexível face às traquinices das filhas a quem mimava sempre. Um dos raros ódios que lhe conheci era Salazar. Precisamente. Vá-se lá saber porquê...
Artista. Das suas mãos saíram peças em osso de extrema perfeição. No meu escritório, sempre presente, o porta canetas com tinteiros e calendário feito por ele.
Outra das paixões era a natureza. As árvores que plantou, que tão frondosas se fizeram, como as acácias amarelas e, abundantemente, as de fruto. Poucos frutos havia que não pudesse colher no nosso quintal. Também a machamba que com afinco tratava quando voltava do trabalho. "Ó filha, apanhei esta bela cenoura para ti."
Distraído. Não sei por que mundos caminhava quando frequentemente se desligava do real, parecendo cair desprevenidamente em terra alheia, quando descia desse planeta só dele. Havia sempre motivo para risadas face à sua atrapalhação.
Em 1976 aterrou em Lisboa após ter-se reformado em Moçambique. A cor do dinheiro, após 40 anos de trabalho, nunca a viu. Foi perdendo o viço. As árvores que plantara, a machamba que cuidara, a rotina quotidiana do clube, haviam ficado para trás.
Em 1983, as últimas palavras que me dirigiu foram "-Adeus filha! O abacateiro ardeu!". "-O quê papá?" "-Foi o abacateiro filha. Ardeu." No dia seguinte fiquei certa do significado da mensagem. Não chorei, então, talvez porque o céu, copiosamente, fê-lo por mim no dia 18 de Novembro, quando poderosas tempestades e cheias abalaram a cidade de Lisboa.
Faria 90 anos hoje, o meu pai.
3 comentários:
Que dizer?...emocionou-me o teu post.
Lembrei-me do meu pai, um pouco ausente...
É bom termos boas recordações, são as melhores heranças.
Beijo carinhoso, th
Um beijo terno pa Ti, minha Mi...
outro meu, C.
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